2011. Onze desafios da Química



 Por Carlos Corrêa

A reacção da carbite com a água produz acetileno 

A IUPAC e a UNESCO decidiram proclamar 2011 como a Ano Internacional da Química para celebrar as realizações desta ciência e as suas contribuições para o progresso e bem-estar da humanidade. 
Procura-se melhorar a compreensão e valorização da Química pelo público em geral, reforçar a cooperação internacional entre instituições que se ocupam da Química, promover o papel da Química para a resolução dos desafios actuais e intensificar o interesse e mobilização dos jovens em torno das disciplinas científicas.
 


* Professor Emérito da Universidade do Porto. Conselheiro «Ciência Hoje» para Ano Internacional da Química

Em 2011 comemora-se o primeiro centenário da atribuição do Prémio Nobel da Química a Marie Sklodowska Curie, a Madame Curie, em reconhecimento do seu notável trabalho que conduziu à descoberta do rádio e do polónio e que tem inspirado alunos, em especial mulheres, a fazer da Química a sua opção profissional. Curiosamente, comemora-se também, em 2011, a criação da Universidade do Porto (e de Lisboa), onde o notável químico Ferreira da Silva levou o nome de Portugal além-fronteiras, e a fundação da Sociedade Portuguesa de Química por Ferreira da Silva, Alberto de Aguiar, Pereira Salgado, Charles Lepierre e outros químicos portugueses. De assinalar, também, que em 2011 se completam 50 anos da conclusão do nosso curso de Engenharia Químico-Industrial na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto. 

A importância da Química é universalmente reconhecida, pois basta olhar para nós próprios e à nossa volta para constatar que era impossível viver sem a Química. O “mundo gira” movido pela energia obtida em processos químicos e os organismos “mexem” à custa da energia obtida em processos metabólicos cujas reacções são tipicamente reacções químicas. A compreensão dos processos bioquímicos, da química dos seres vivos, só é possível depois de se conhecer a constituição desses seres, a estrutura das complexas moléculas dos seus organismos e o mecanismo das suas reacções.

Tudo isto é trabalhos dos químicos, bioquímicos e biólogos. Para alimentar uma população sempre crescente foi preciso produzir novos fertilizantes, captando o azoto da atmosfera na síntese do amoníaco, dominar a técnica do frio (novos e inofensivos CFC), controlar as pragas e doenças das plantas. Foi preciso fabricar novos materiais, com melhores propriedades e maior abundância, para serem acessíveis a todas as camadas sociais, como é caso da seda artificial e outros produtos têxteis. 

O aroma, o gosto, a cor e outras delícias com que a Natureza nos contempla são o resultado da presença de moléculas com estruturas curiosas que os químicos descobriram e foram depois também capazes de criar. 
Combustão de uma fita de magnésio Fotografia do autor vencedora de um concurso na revista Chem13News da Universidade de Waterloo Canadá 
Quando a doença bate à porta, que seria de nós sem os medicamentos? Muitos são sintetizados, outros extraídos da Natureza, mas em todos eles foi essencial a mão do químico. Sucede, porém, que os recursos naturais de que têm feito mover o mundo (o petróleo, o carvão e o gás natural) se vão esgotando e é tempo de devolver à Natureza aquilo que lhe fomos tirando e que demorou milhões de anos a produzir. Estão a ser feitos esforços assinaláveis para praticar uma “química verde”, uma química que substitua processos químicos danosos para o ambiente por processos benignos e sustentáveis.

Abrem-se actualmente novas oportunidades para os jovens seguirem carreiras baseadas na química, havendo boas perspectivas futuras no domínio da química farmacêutica, da biotecnologia, da síntese de novos materiais, das tecnologias de aproveitamento de energia, da química ambiental, da nanotecnologia e da química em microescala.

Numa troca de impressões sobre carreiras profissionais na indústria química promovida pelo projecto Xperimenta, da Associação de Produtores de Petroquímica na Europa e European Schoolnet, foi salientada a importância da Química Orgânica sendo referido que “os alunos deviam concentrar-se especialmente na química orgânica, que é a base de toda a química” e “a maior parte do mercado da química industrial está relacionada com a química orgânica”.
Das muitas possibilidades de trabalho no campo da Química, seleccionamos onze desafios para um jovem se tornar um químico no futuro:

1 – Aproveitamento da energia solar
Os combustíveis fósseis que vimos utilizando são o resultado da energia solar armazenada durante milhões de anos à superfície da Terra. O maior desafio deste século será a substituição dos combustíveis fósseis por fontes de energia mais sustentáveis e menos poluentes, em especial di-hidrogénio, obtido a partir da água, e metanol, a partir da água e dióxido de carbono. Estes compostos são já utilizados em pilhas de combustível, que produzem energia e libertam água, em vez de dióxido de carbono, como sucede com os combustíveis fósseis. A produção de biocombustíveis, como a obtenção de etanol a partir da celulose, é outro caminho em estudo em vários países.

2 – Procura de novos catalisadores
Para que as reacções químicas sejam úteis é necessário que sejam tão completas e tão rápidas quanto possível. Na esmagadora maioria dos casos é necessário utilizar catalisadores e a sua descoberta é uma importantíssima tarefa que cabe aos químicos. A cisão da água e a síntese de numerosos compostos, em condições económicas, exige a presença de catalisadores duradouros, que devem ser obtidos a partir de materiais baratos e não poluentes.

3 – Síntese de novas moléculas
A necessidade de combater a doença lembra a todos nós a importância de isolar produtos naturais e sintetizar moléculas com propriedades terapêuticas adequadas. O estudo do funcionamento de muitas substâncias no nosso organismo exige muitas vezes a síntese de compostos com estrutura adequada, mais simples, para que o seu comportamento seja comparado com o que se passa no nosso organismo. Quem é capaz de sintetizar os mais variados tipos de moléculas?

4 – Produtos úteis a partir da biomassa
As biomassas provenientes de fontes renováveis e o carvão eram as matérias-primas mais utilizadas no passado, em especial como fonte de energia, e em certos casos como matéria-prima na indústria. Actualmente, utiliza-se o petróleo e o gás natural, maioritariamente como combustíveis e, em menor escala, na produção de produtos químicos de base, como etileno, propileno, estireno e muitos outros, necessários para fabricar produtos acabados, como objectos em plástico, pneus, fibras, tintas, vernizes e muitos outros. O grande desafio é voltar a utilizar a biomassa renovável na produção de substâncias úteis, tal como a Química Orgânica faz com o petróleo, com evidentes vantagens ambientais.

5 – Produção de materiais mais verdes
O século XXI será o século da “química verde”, isto é, de uma química que se baseia em processos de síntese limpos, sem subprodutos prejudiciais ao ambiente, aproveitando os resíduos do presente como matéria-prima do futuro.

Uma reacção de ácido base na presença de um indicador

6 – Biociências
A interdisciplinaridade entre a Química e a Biologia, isto é, a interacção entre químicos e biólogos tem já levado à descoberta e aperfeiçoamento de técnicas para novos modos de estudo dos sistemas biológicos a nível molecular. A nova disciplina de Biologia Química, que trata do estudo dos efeitos de pequenas moléculas em processos biológicos, constitui mais uma oportunidade para o trabalho dos químicos.

O estabelecimento do genoma humano, determinando a sequência de bases do DNA humano, constituiu um êxito da química, da bioquímica e de disciplinas afins e abriu perspectivas para posteriores trabalhos, nomeadamente na investigação da estrutura e funções de cada proteína. O estudo das relações entre estrutura e função das proteínas é importante para a compreensão das doenças e produção de vários medicamentos.

A biotecnologia, ou seja, a utilização de agentes biológicos (organismos, células, moléculas e outros) para obter novos produtos ou assegurar serviços é uma importante área da Ciência. O etanol, o biogás, o butanol, a acetona, o glicerol, vários ácidos e enzimas podem ser obtidos por meios biotecnológicos. No meio ambiente, a recuperação de petróleo, o tratamento de lixos e a purificação da água são também possíveis por processos biotecnológicos. Em todos estes processos os químicos podem dar importantes contribuições.

7 – Captura do dióxido de carbono
O aumento crescente da percentagem de dióxido de carbono na atmosfera devido à queima de combustíveis fósseis está a provocar o aquecimento da atmosfera terrestre, causando tremendos problemas climáticos. As florestas são sumidouros naturais, mas a sua capacidade de absorção do dióxido de carbono é insuficiente para evitar o aumento da concentração deste gás na atmosfera. Fala-se em armazenar o dióxido de carbono enviado para a atmosfera em minas abandonadas, mas esta solução faz-mos lembrar “varrer para debaixo do tapete”. Os químicos têm procurado soluções mais eficientes, como a captação de dióxido de carbono na síntese de policarbonatos (compostos carbonados não voláteis). Um exemplo é a obtenção de um polímero obtido por reacção do óxido de limoneno com o dióxido de carbono, na presença de catalisadores especiais.

Este trabalho mereceu grande destaque na imprensa, sendo referido como um método de produzir um plástico a partir de cascas de laranja, dado quer o limoneno é um insecticida natural existente na casca dos citrinos. No entanto, deve referir-se que o facto de uma substância ser natural não significa que seja menos nociva que uma sintética. Por exemplo, o insecticida natural rotenona, apesar de ser mais nocivo para as pragas do que para os humanos, é mais tóxico que muitos insecticidas de síntese e acabou por ser proibido, em 2005, nos Estados Unidos, Canadá, França e outros países por ser muito tóxico para os peixes e suspeito de estar ligado à doença de Parkinson.

8 – Agroquímica
No domínio da agricultura o químico encontra um vasto terreno para a sua actividade, na síntese de novos fertilizantes, como os “adubos inteligentes”, que só libertem azoto à medida que a planta necessita e de pesticidas mais selectivos, como os “pesticidas verdes”, eficientes no combate a pragas mas inócuos em relação a insectos úteis e ao homem. É um campo imenso que se abre aos futuros químicos.

Futeboleno e nanotubo
9 – Nanotecnologia
As nanopartículas são partículas sólidas com uma ou mais dimensões da ordem de 10 a 1000 nm (nanómetros) e apresentam propriedades novas e diferentes do material no seu conjunto. Os nanomateriais resultam do crescimento das nanopartículas, como os nanotubos de carbono, com diâmetro de cerca de 3 nm apresentam propriedades diferentes dos outros alótropos de carbono, como a grafite e o futeboleno.

As propriedades magnéticas, eléctricas, térmicas e mecânicas dos materiais podem ser modificadas por introdução de nanopartículas adequadas. As suas aplicações são muito variadas, tendo até sido utilizadas ligadas a moléculas para regular a entrada de medicamentos no organismo e restringir o seu acesso a determinados locais. Estas partículas podem obter-se por reacções químicas entre partículas (iões e moléculas) que se vão combinando até se formarem agregados de dimensão suficiente. Podem, também obter-se de materiais já polimerizados, como proteínas, polissacáridos e polímeros de síntese. Os químicos, com os seus conhecimentos sobre colóides e reacções de polimerização, estão certamente habilitados a intervir no fabrico das nanopartículas por processos húmidos.

10 – Novos instrumentos científicos
A Química, a Bioquímica e a Biologia utilizam presentemente sofisticadas técnicas analíticas que exigem quantidades muito diminutas de substância e que assentam em princípios desenvolvidos por físicos e aplicados por químicos nos seus trabalhos, como a espectroscopia de ultravioleta, de infravermelho, de fluorescência e Raman, a fotometria de absorção atómica, a cromatografia líquida de alta eficiência e de fase gasosa, a ressonância magnética nuclear, a espectrometria de massa e outras. Aqui, também, os químicos terão um papel importante no desenvolvimento das novas técnicas que vão sendo necessárias ao desenvolvimento destas Ciências. Podem, até, exercer funções técnicas e comerciais no lançamento de novos aparelhos e apoio a clientes.

11 – Satisfação no estudo e ensino da Química
Seleccionados estes dez desafios para enveredar pela profissão de químico (químico propriamente dito, bioquímico, farmacêutico ou engenheiro químico), muitos mais se poderiam citar. Acima de tudo, ser químico dá um inimaginável gozo ao ver uma reacção prosseguir, ao descobrir um novo composto, ao ver um produto cristalizar, ao ver uma explosão. Ser professor de química é uma profissão encantadora; conviver com a juventude, ensiná-la a observar os fenómenos químicos da Natureza, a interrogá-la, a interpretar as suas respostas e prever novas reacções é um desafio constante para quem ensina e aprende.

Como dizia Bernard Shaw, “a Ciência está sempre errada; nunca resolve um problema sem que seja criado outro”. É este o grande desafio da Química.

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